[Literatura] 20 Livros Essenciais da Literatura Japonesa
- Equipe Memento Cine
- 27 de mar. de 2018
- 18 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2018

A literatura japonesa é anciã – datando de vários séculos atrás – e é plural em temática e estilo, é um belo retrato dos costumes e das paisagens nipônicas, assim como é, também, um diário revelatório das almas atormentadas de seus artistas, um exercício que promove um mergulho profundo na cultura, no pensamento e na verdade asiática. A escrita japonesa se desenvolveu através de um caminho muito diferente da literatura ocidental, seu estilo e estrutura são mais pessoais, alguns dos mais antigos textos em prosa são originários do país – como as obras das escritoras Murasaki Shikibu e Sei Shônagon – e sua poesia deu origem a diversas formas tradicionais, como o tanka, o haiku e o shi. Mais tarde, com o encontro e a exposição à escrita ocidental, desenvolveram trabalhos modernos e revolucionários, escritos por nomes que agora são considerados alguns dos mais importantes da história da literatura, dentre eles Natsume Sôseki, Tanizaki, Kawabata e Mishima. Foram incluídos na lista apenas livros em prosa (obras seminais, ensaios, romances e contos) a fim de reduzir a lista, deixando assim, infelizmente, de fora obras magníficas e de enorme importância, como a dramaturgia joruri e kabuki de Chikamatsu Monzeamon, e a poesia de Saigyô, Matsuo Bashô e Yosano Akiko; também optamos por listar apenas um livro por autor, e escrevendo os nomes dos escritores na forma asiática (sobrenome à frente do nome).
01. Conto do Cortador de Bambu (Taketori Monogatari, Período Heian, Século X), Anônimo.

Também conhecido como “Princesa Kaguya”, o Conto do Cortador de Bambu é a mais antiga narrativa da história da literatura japonesa, parte cultura popular e do folclore do país. A história do cortador de bambu que encontra uma pequena criança dentro de um talo da planta e – junto a sua esposa – a cria como filha retirando diariamente ouro dos bambus que corta, é de autoria anônima e deve ter tido o texto muitas vezes alterado com o tempo. De teor fantástico, é considerada uma história de ficção “proto-científica”, com o dinheiro retirado dos bambus, seu pai a cria como uma princesa, e, por ser muito bela, vários príncipes a pedem em casamento, algo que ela repele fazendo pedidos impossíveis de serem realizados. Ao fim, descobrimos que Kaguya é uma princesa da lua, o dinheiro nos bambus era enviado por seu povo, que a mandou para a Terra para protegê-la de uma guerra celestial; o impressionante e melancólico final inclui uma comitiva lunar (muito parecida com uma nave espacial) vindo buscá-la, deixando para trás seus entristecidos entes queridos. Encantador como um conto de fadas, a obra foi maravilhosamente adaptada para as telas pelo Estúdio Ghibli, como “O Conto da Princesa Kaguya”, dirigido pelo fantástico animador Isao Takahata, e infelizmente só foi publicada em português em versões adaptadas.
02. O Conto de Genji (Genji Monogatari, Período Heian, Século XI), de Murasaki Shikibu.

Conhecido como o primeiro romance da história da literatura, a narrativa é atribuída a Murasaki Shikibu, dama de companhia da Imperatriz Shôshi (segunda esposa do Imperador Ichijô) e o teria escrito entre os anos 1000 e 1012. A história da vida do filho de um imperador, conhecido como Hikaru Genji, não tem enredo, apenas segue o protagonista em sua vida, convivendo com mais de 400 personagens secundários, enquanto evolui em seu cotidiano feudal e envelhece. Apesar de muito antigo, o texto de Murasaki é bem estruturado, próximo a forma dos romances modernos, e se difere de outras narrativas antigas, por complexidade histórica e grande desenvolvimento psicológico; apesar disso, a falta de nomes específicos para muitos dos personagens dá muito trabalho para os tradutores. Kawabata Yasunari, ao ganhar o Nobel de Literatura, declarou que O Conto de Genji é a mais importante obra já escrita na língua japonesa, a nota de 2000 ienes carrega estampada ilustrações de Murasaki e de sua obra, e diversas adaptações já foram feitas para diferentes mídias, como animes, óperas e diversos filmes; infelizmente apenas foi publicada em língua portuguesa em edição de Portugal.
03. O Livro do Travesseiro (Makura no Sôshi, Período Heian, Século XI), de Sei Shônagon.

Sei Shônagon era dama de companhia da Imperatriz Teishi, primeira esposa do Imperador Ichijô, e hoje é muito conhecida como uma grande rival artística de autora de O Conto de Genji, Murasaki Shikibu, que escreveu sobre Sei em seus diários. O Livro do Travesseiro foi escrito entre os anos 990 e o ano 1002, e é tido como uma coleção de ensaios sobre sua vida e seu cotidiano, onde escrevia pensamentos, descrições de acontecimentos da corte, poemas e anedotas; apesar de escrever apenas para si mesma, crê-se que parte de sua obra tenha sido revelada por acidente à corte, trazendo assim sua fama. A obra é, talvez, o registro mais verdadeiro das pessoas e dos costumes de sua época, um livro de história, mas com enorme valor poético; Sei e sua obra se confundem, sendo sua história pessoal parte de sua escrita, porém muito pouco se sabe sobre sua vida anterior à vida na corte e também sobre seus anos finais, após o fim de seus serviços à Imperatriz, uma das teorias aponta que teria se casado com um governador de província e tido uma segunda filha (já teria um filho de um casamento anterior), já outra indicaria que teria passado seus últimos anos em pobreza como uma monja budista.
04. Relatos da Minha Cabana (Hôjôki, Período Kamakura, Século XII), de Kamo no Chômei.

Kamo no Chômei é um dos mais importantes poetas da literatura japonesa, mas seu texto zuihitsu (gênero literário japonês onde as obras são construídas através de ensaios pouco conectados) Relatos da Minha Cabana é com certeza sua grande obra-prima; sua escrita se baseava primordialmente no conceito da “impermanência” (importante para o Budismo) e relata muitos desastres, como a violência das cidades, a fome, um terremoto e um furacão, em texto belo e filosófico. Chômei fez muito sucesso como poeta e participou de grandes concursos de poesia, o Imperador Go-Toba era seu bem-feitor e apadrinhava sua carreira literária, que muitas vezes era considerada polêmica por sua inventividade e originalidade; porém após os 40 anos de idade – não se sabe por que – abandonou a corte, fez votos budistas e passou a viver sozinho, como ermitão, longe das cidades. O manuscrito original de Relatos da Minha Cabana ainda existe – algo raro se tratando de textos tão antigos, mas infelizmente nunca foi traduzido para o português.
05. Ensaios da Ociosidade (Tsurezuregusa, Período Kamakura, Século Século XIV), de Yoshida Kenkô.

Ensaios da Ociosidade – mais uma obra do gênero zuihitsu – é uma coletânea de ensaios escritos pelo monge budista Yoshida Kenko, que viveu no Período Kamakura, entre 1284 e 1350; sua obra é um dos mais profundos estudos poéticos sobre a cultura tradicional japonesa, entre seus temas estão ensinamentos budistas, comentários sobre a beleza da natureza e pequenos relatos bem-humorados do cotidiano, todos características típicas da arte nipônica. O texto do monge é apaixonante, inspirador e sincero, nos leva a meditar junto com suas palavras, ponderando a beleza da vida como era e como é, sua filosofia, apesar de tão distante no tempo, ainda é exata para a cultura asiática. Kenkô em vida foi pouco conhecido, tendo relatos apenas de algumas participações em concursos imperiais de poesia, mas seu texto mais importante foi publicado apenas depois de sua morte, se tornando popular no século XV e um clássico essencial no século XVII. Infelizmente a obra nunca foi traduzida para o português.
06. O Ganso Selvagem (Gan, 1911-1913), de Mori Ôgai.

Considerado por muitos um dos responsáveis pela modernização da literatura japonesa, Mori Ôgai foi um médico cirurgião e Tenente-General do exército imperial japonês, nascido em 17 de fevereiro de 1862; além de militar, foi escritor, poeta e tradutor (um dos primeiros a conseguir transpor a lírica ocidental para a língua japonesa), seu romance O Ganso Selvagem foi sua obra-prima e é um dos marcos iniciais da literatura moderna no Japão. O livro conta a história de Suezo, um agiota que – cansado da esposa – arruma uma amante, a jovem e pobre Otoma, que aceita o relacionamento sem amor para poder ter dinheiro para cuidar de seu pai moribundo, mas encontra desejo e busca por salvação em um jovem estudante de medicina chamado Okada. Um dos elementos mais interessantes da obra, é o ótimo retrato das personagens femininas e dos problemas que elas encaravam no início da Era Meiji com a modernização do país; traz grande empatia pela mulher, algo muito raro dentro da cultura japonesa da época. Mori Ôgai também foi pai da escritora Mori Mari, que se especializou em histórias de amor homossexual masculino, inspirando a criação do gênero yaoi, muito popular nos mangás e animes.
07. Coração (Kokoro, 1914), de Natsume Sôseki.

O maior nome da literatura japonesa moderna, Natsume Sôseki é autor de diversos best-sellers, como Eu Sou um Gato, Botchan e a trilogia composta por Sanshiro, E Depois e O Portal, mas seu grande e inesquecível magnum opus é o belo e filosófico Coração, a história de uma grande amizade entre um jovem universitário e um homem mais velho, que ele chama de Sensei (professor). Uma inspiradora conversa entre os dois personagens, a narrativa – dividida em três partes – funciona como um verdadeiro aprendizado, enquanto Sensei lentamente se abre para seu novo pupilo; as duas primeiras partes são narradas pelo jovem, mas a terceira é uma emocionante e confessional carta do mais velho para o protagonista, em um dos mais bonitos momentos da literatura mundial. A obra trabalha temas existencialistas – como a morte e a culpa – com finesse e elegância, e soa como um tratado sobre a psicologia humana. Natsume era um grande conhecedor da literatura inglesa (viveu na Inglaterra e estudou na University College, London) e foi professor universitário, ajudando a transformar a literatura de seu país com novas influências, foi célebre durante a vida e sua obra foi traduzida para diversas línguas, incluindo o português; Coração é um dos livros mais vendidos da história do Japão e é considerado por muitos como o livro mais importante da literatura em língua japonesa.
08. Rashômon (Idem, 1915), de Akutagawa Ryûnosuke.

O pai do conto japonês Akutagawa Ryûnosuke, nasceu em 1º de março de 1892, adotado pelo tio materno depois de sua mãe demonstrar indícios de doenças psiquiátricas. Akutagawa – desde muito jovem – demonstrou interesse por literatura, dentre seus favoritos estavam Natsume Sôseki, Mori Ôgai e clássicos chineses; junto com alguns amigos fundou um jornal literário onde publicou seus primeiros contos. Seu segundo conto, Rashômon, se tornaria um dos mais célebres (apesar de ignorado na época do lançamento) demonstrando sua enorme criatividade e ousadia desde tão cedo, trazendo um drama psicológico profundo que discutia fortes questões morais. Conhecemos na história um jovem servente que após ser demitido, considera morrer de fome ou roubar para sobreviver, na então destruída cidade de Kyoto, quando conhece uma velha senhora que rouba cabelos de mortos. Apesar de ser um texto muito curto, é forte e cruel, nos causando questionamentos de alto teor filosófico, o conto nos faz mergulhar nos nossos próprios conceitos de certo e errado. Juntamente com No Matagal (provavelmente o melhor conto do autor), essa história serviu de inspiração para o clássico filme “Rashomon”, dirigido pelo mestre Akira Kurosawa. Akutagawa Ryûnosuke se suicidou aos 35 anos com uma overdose de soníferos, no dia 24 de julho de 1927.
09. Guerra de Gueixas (Udekurabe, 1916-1917), de Nagai Kafû.

Guerra de Gueixas reúne em uma obra todos os temas que o escritor Nagai Kafû se tornou tão célebre ao retratar, é uma história do início do século XX que fala da vida de gueixas, artistas e atores de teatro kabuki, se passando em casas de chá, teatros e okiya (casas de gueixas). O livro de Nagai acompanha Komayo, uma ex-gueixa, que após ficar viúva, volta à profissão e reencontra um antigo cliente – Yoshioka – com quem teve um romance, ele se torna bem-feitor da jovem, mas não muito depois, Komayo começa um relacionamento apaixonado com Segawa, um jovem ator onnagata (que interpreta personagens femininos). Diversos acontecimentos e personagens secundários passam pela vida da protagonista, causando rivalidade e angústia; outro elemento importante em Guerra de Gueixas (e em boa parte da obra do escritor) é a sensualidade, lançado originalmente de forma seriada em uma revista literária, ao ter sua primeira edição completa, teve boa parte do texto censurado por ser erótico demais para a época. Kafû era poliglota, morou nos Estados Unidos e na França, traduziu algumas obras para o japonês, e, ao retornar ao Japão, teve uma vida boêmia, casando e se divorciando mais de uma vez e chegando a viver em uma casa de gueixas; o bairro Shinbashi – distrito dos prazeres em Tóquio – era tão parte de sua vida como de seus personagens, frutos do talento de um escritor ousado e revolucionário.
10. Trajetória em Noite Escura (An'ya Kôro, 1921-1937), de Shiga Naoya.

Shiga Naoya é um dos mais importantes autores da literatura moderna japonesa, seu tom confessional e autobiográfico ajudou a dar origem para o gênero shishōsetsu (algo como “romance do eu”), essencial dentro da literatura do Japão. O escritor – descendente de samurais – escandalizou sua família com um romance em que contava sobre seu caso com a empregada da casa; mais tarde seu Trajetória em Noite Escura elevou ainda mais a sinceridade e o naturalismo de sua obra, ao retratar a história de um jovem escritor que se sente deslocado no mundo por não se identificar com as mudanças da era em que vive, o autoquestionamento de seus motivos, não saber se se sente antigo demais ou muito à frente de seu tempo são seus tormentos; Tokitô Kensaku, o protagonista, segue sua vida com desencanto, do início de sua independência até seu casamento, nada que acontece parece lhe trazer conforto ou dar sentido à sua vida, enquanto isso tudo afeta seu entorno, principalmente sua esposa Naoko. Tendo seus maiores sucessos ainda muito jovem, Shiga acabou não produzindo muito da metade para o fim de sua vida – morreu aos 88 anos de pneumonia – mas é essencial para a literatura e, ainda hoje, é considerado um dos maiores escritores de seu país.
11. As Irmãs Makioka (Sasameyuki, 1943-1948), de Tanizaki Jun'ichiro.

Depois de Natsume Sôseki, Tanizaki Jun’ichiro é provavelmente o mais importante romancista japonês; dois de seus temas mais frequentes são as relações familiares e as obsessões romântico-sexuais. As Irmãs Makioka é um dos primeiros grandes livros do pós-guerra, e lida com o incomodo da sociedade japonesa sob a ocupação americana, através da história da rica família Makioka, protagonizada por quatro irmãs: Tsuruko, Sachiko, Yukiko e Taeko, que se adaptam em um mundo que agora mistura tradição e influência ocidental, com declínio social eminente. Taeko deseja se casar, mas não pode até que Yukiko se case, porém ela é tímida e reclusa, causando então que suas irmãs não meçam esforços em lhe conseguir um pretendente; cada personagem dessa história parece representar um diferente tipo de reflexo da situação pela qual o país passava, enquanto alguns são emancipados e independentes, outros são muito tradicionais, além disso também existem os que se alinham sem problemas com uma vida ocidentalizada. O livro de Tanizaki é longo e denso, mas extremamente cativante, características que demonstram o porquê de seu autor ser tão importante para a história da literatura, tendo sido considerado algumas vezes para o Nobel de Literatura, que infelizmente não chegou a ganhar. Aos 79 anos de idade, Tanizaki Jun’ichiro faleceu depois de sofrer um ataque do coração, deixando para trás a mais plural, complexa e ousada bibliografia dentre todos os escritores japoneses.
12. Declínio de um Homem (Ningen Shikkaku, 1948), de Dazai Osamu.

Mais um proeminente escritor do gênero shishōsetsu, Dazai Osamu derramava sua própria vida em seus livros, muitas vezes trazendo uma melancolia cruel à tona, nos amedrontando frente a realidade crua que nos é entregue. Declínio de um Homem é sua obra-prima e seu testamento final, além de um dos mais vendidos livros da literatura japonesa, seu enredo nos revela a vida de Ôba Yôzô através de seus diários, um homem deprimido e inseguro que é incapaz de mostrar seu verdadeiro eu para as pessoas a sua volta, um personagem desesperador que sente estar usando máscaras durante toda a vida, totalmente mergulhado na alienação da vida, alienação esta que provavelmente é um dos temas centrais da obra do escritor e, em especial, desse livro; Dazai tinha como maior influência o russo Fiódor Dostoiévski e suas temáticas psicológicas e existencialistas se tornaram também a base para o trabalho do escritor japonês, que moldava com a culpa, o isolamento e a tristeza sua filosofia artística e pessoal. Dazai Osamu e sua namorada Tomie se suicidaram em 13 de junho de 1948, provando que a profunda depressão em seu trabalho era também sentida em seu cotidiano; sua obra é indispensável para a literatura do Japão e, ainda hoje, é um dos autores mais vendidos no país.
13. Confissões de uma Máscara (Kamen no Kokuhaku, 1949), de Mishima Yukio.

Mishima Yukio – um dos mais populares e talvez o mais polêmico dos escritores japoneses – alcançou sucesso internacional ainda muito jovem, o autor tinha apenas 24 anos de idade quando Confissões de uma Máscara, seu segundo romance, foi publicado e se tornou um grandioso best-seller. Obra profundamente autobiográfica, conta a história de Kochan (que compartilha grande parte do passado e da personalidade do autor), detalhando sua infância e juventude até o auge de sua angustiante vida adulta, e, como tema central, acompanha a descoberta e o desenvolvimento de sua homossexualidade, que ele reprime com todas as forças, vivendo atrás de uma máscara de “normalidade”, mesmo que diariamente sofra com o desejo pelo mesmo sexo. Apesar de atualmente a sexualidade de Mishima ser amplamente conhecida, durante toda sua vida (apesar de ser tema sempre presente em seus livros) ele conseguiu manter o assunto afastado de sua vida pública, tendo sido casado e pai de dois filhos, podemos assim dizer então, que a vida do próprio escritor foi como uma continuação de seu mais importante livro. A vida de Mishima Yukio foi tão inacreditável quanto seu talento para a escrita, além de escritor foi ator, modelo, cineasta e fisiculturista, morreu em um suicídio ritual após falhar ao tentar um golpe de estado. Mishima é lendário e inesquecível, um belo retrato de sua vida e obra foi trazido às telas pelo cineasta Paul Schrader em “Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos”.
14. O Som da Montanha (Yama no Oto, 1949-1954), de Kawabata Yasunari.

O primeiro Prêmio Nobel de Literatura para um autor de língua japonesa foi para o brilhante Kawabata Yasunari, escritor único que apadrinhou e influenciou grandes nomes que provavelmente o superaram em popularidade. Sua obra-prima O Som da Montanha, é um trabalho magistral sobre o envelhecimento e a estrutura familiar japonesa, o patriarca Shingo Ogata sofre lapsos de memória, ouve sons que ninguém mais ouve e tem sonhos assustadores, e enquanto isso acompanha o cotidiano de sua família e os problemas pessoais de cada um. O protagonista e Kawabata compartilham características essenciais para esse livro e para toda sua bibliografia, e a principal é a atração pela morte. O Som da Montanha é possivelmente a obra mais pessoal do escritor, maior não só em identidade, mas também em tamanho, sendo significantemente maior que a grande maioria de seus romances. Kawabata Yasunari veio de uma história de vida triste, órfão, foi separado da irmã – que encontrou apenas mais uma vez – e criado pelos avós, que também morreram quando ainda era jovem, viveu em colégios internos, e depois passou por um relacionamento que terminou em infelicidade; a melancolia foi uma companheira por toda sua vida, até seu suicídio por sufocamento com gás, aos 72 anos de idade.
15. Máscaras (Onna Men, 1958), de Enchi Fumiko.

Enchi Fumiko foi a mais importante escritora mulher do Japão no século XX. Filha de um importante acadêmico, foi uma criança de saúde fraca e foi ensinada em casa, onde professores a ensinaram sobre literatura chinesa e europeia e sua avó a influenciou a ler os clássicos japoneses, como O Conto de Genji, de Murasaki Shikibu, grande influência em sua obra. Máscaras, sua obra mais conhecida – nunca foi publicada em português – e conta a história de Mieko Toganô, uma sogra que após a morte de seu filho, passa a manipular a vida da nora e de dois homens que estão apaixonados por ela, além de ter planos secretos para sua filha deficiente mental. Enchi nomeou as três partes de seu romance com nomes de máscaras de teatro Noh – teatro clássico japonês que mistura canto, dança e poesia – são elas Ryô no Onna (máscara da mulher fantasma), Masugami (máscara da jovem louca) e Fukai (máscara da velha em luto); esses nomes e o título do livro são símbolos para a manipulação e os segredos mascarados da narrativa, onde personagens fingem, interpretam e se passam pelo que não são. A autora constrói uma ficção muito criativa, que traz uma leitura inesperadamente crítica de certos elementos da estrutura familiar no Japão, Enchi Fumiko é um grande nome da literatura e permanece como a voz feminina mais importante da escrita moderna de seu país.
16. A Mulher das Dunas (Suna Na Onna, 1962), de Abe Kôbô.

Vanguardista, existencialista, surrealista e marxista, características todas que tornam Abe Kôbô um nome importantíssimo no Japão. O romancista e dramaturgo que escreveu o filosófico A Mulher das Dunas, era um ávido conhecedor da obra de Nietzsche, Heidegger e Jaspers, além da matemática e da medicina; sua escrita era simbólica, poética e envolvente, e o absurdo surreal em que ele nos joga em suas histórias nunca é ridículo. A Mulher das Dunas é a história de um professor em uma rápida visita à uma vila costeira de pescadores, mas que, ao perder o último ônibus de volta à Tóquio, é levado pelos moradores até a casa de uma mulher nas dunas para passar a noite, para chegar lá era preciso subir uma escada de cordas e na manhã seguinte a escada não está mais lá; o professor passa então a viver cativo, onde passa seus dias limpado a areia que entra na casa e convivendo com a mulher misteriosa que vive lá. A história desenvolvida por Abe carrega elementos mitológicos e folclóricos, funciona como uma lenda em realidade contemporânea; a angústia e o desejo de fuga do protagonista, muitas vezes são substituídas por aceitação e apatia, apesar de sempre acompanhado pela mulher que vive ali, seu sentimento é de eterno abandono. Abe Kôbô foi um autor revolucionário, e o livro foi adaptado com extremo sucesso para o cinema no filme homônimo dirigido por Hiroshi Teshigahara, em 1964, que foi indicado a dois Oscar.
17. Chuva Negra (Kuroi Ame, 1966), de Ibuse Masuji.

Chuva Negra acompanha Shizuma Shigematsu, sua esposa e sua sobrinha Yasuko, na pequena cidade de Kobatake; através de entradas no diário de Shizuma e de alguns outros personagens, ficamos sabendo sobre o boato que se alastra na cidade sobre Yasuko ter estado em Hiroshima durante o ataque americano com a bomba atômica, e o medo que a contaminação causa nas pessoas e diminuem as possibilidades da jovem arranjar um casamento. O próprio Ibuse era nascido em Hiroshima, e a temática do pós-guerra tornou-se uma das características mais importantes de seus últimos trabalhos; o escritor estudou na importante Fukuyama Middle School a partir de 1911, onde descobriu a literatura chinesa e a obra de grandes autores como Mori Ogai. Já na universidade foi influenciado pela literatura francesa, por Shakespeare e pelo poeta Matsuo Bashô e pouco tempo depois passou a publicar seus primeiros textos. Apesar de ter uma longa carreira, foi só com Chuva Negra que se tornou célebre, fazendo sucesso internacional; o livro foi extraordinariamente influente na literatura japonesa, trazendo à tona dezenas de obras sobre os reflexos da Segunda Guerra Mundial e a sociedade pós-ataques nucleares. A forma de escrita de Ibuse nesse livro é muito interessante comparado aos seus contemporâneos, já que cria uma narrativa através de diários, aludindo aos autores franceses nos quais era especialista. Esse livro é um estudo social de grande importância, necessário para a verdadeira compreensão da transformação da sociedade japonesa do pós-guerra.
18. Silêncio (Chinmoku, 1966), de Endô Shûsaku.

Endô Shûsaku é um autor raro dentro do universo literário japonês; filho de uma católica convertida, o escritor retratou a história e a sociedade de seu país pelos olhos dos cristãos japoneses. Sua obra-prima foi Silêncio, um romance histórico sobre missionários jesuítas portugueses e a perseguição que sofreram junto aos Kakure Kirishitan (cristãos escondidos), nos tempos que se seguiram à Rebelião de Shimabara. Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe, dois jovens jesuítas, vão ao Japão – no ano de 1639 – em busca de seu mentor Ferreira (inspirado no verdadeiro Padre Cristóvão Ferreira), que aparentemente renunciou à sua fé católica. Acompanhamos na primeira parte do livro os diários de Rodrigues e seu encontro com a população cristã, onde presencia e relata a difícil situação que enfrentavam frente a proibição de suas crenças, já na segunda parte do livro a história é contada em terceira pessoa, onde nos são relatados os acontecimentos após a captura dos dois protagonistas pelos oficiais japoneses. Endô se dedicou sempre ao retratar os conflitos da fé e da moral, a doença e o sentimento da falta de pertencimento, sendo um eterno forasteiro mesmo dentro de seu próprio país, muito admirado internacionalmente, foi aclamado por autores estrangeiros como o inglês Graham Greene e foi considerado para o Prêmio Nobel de Literatura em 1994, perdendo para o compatriota Kenzaburô Ôe. Silêncio foi adaptado para o cinema duas vezes, a mais recente dirigida por Martin Scorsese.
19. Jovens de um Novo Tempo, Despertai! (Atarashii Hito yo Mezameyo, 1983), de Ôe Kenzaburô.

O segundo – e até agora último – ganhador do Nobel de Literatura é Ôe Kenzaburo, fantástico autor de temas humanos, políticos e sociais. O trabalho de Ôe, a partir dos anos 1960, passou a ser muito influenciado pelo nascimento de seu filho Hikari (portador de uma anomalia cerebral), o qual retratou em alguns livros semiautobiográficos de forte inspiração existencialista; o primeiro: Uma Questão Pessoal, sua obra mais conhecida, retratou a angústia e as aflições de um pai ao encarar o nascimento de um filho deficiente. Jovens de um Novo Tempo, Despertai!, é seu melhor trabalho, e retrata um pai acompanhando o crescimento de seu filho com deficiência intelectual e o ensinando sobre a vida e o mundo; é uma obra profundamente poética – regada a versos de William Blake – e de forte influência existencialista, um ensaio sobre a definição das coisas, sobre as expressões, a poesia, a música, a vida e a morte. Ôe Kenzaburô é, talvez, o mais importante escritor japonês vivo em teor crítico – em contrapartida ao enorme sucesso popular de Murakami, do qual ele é muito crítico – e sua bibliografia é das mais profundas e líricas ao retratar com beleza e inspiração os problemas humanos nos tempos modernos e, principalmente, na sociedade japonesa. Ôe é excepcional.
20. Kafka à Beira-Mar (Umibe no Kafuka, 2002), de Murakami Haruki.

Murakami Haruki é o mais popular e plural escritor japonês vivo, autor Best-Seller em todo mundo, escreveu cerca de 20 livros; fortemente influenciado pela cultura pop, o autor começou a carreira com obras de narrativa realista costumeiramente urbanas, mas migrou com sucesso para o realismo-fantástico, onde atingiu seu auge de criatividade. Kafka à Beira-Mar é sua mais criativa obra fantástica, contando duas histórias paralelamente, a do jovem Kafka Tamura que foge da casa do pai para encontrar a mãe e a irmã, e também a de Satoru Nakata, um idoso com deficiência mental e sua capacidade se comunicar com gatos; suas vidas parecem influenciar uma à outra, e ao fim da narrativa suas histórias convergem. O livro é cheio de suspense, humor, referências culturais, sexualidade e temas cotidianos, regado por um leve surrealismo encantador e envolvente, personagens como Miss Saeki e Oshima (a gerente e o assistente da biblioteca em que Kafka encontra refúgio) trazem inspiração poética e se tornam mentores do protagonista e dos leitores que mergulham na história. Murakami é fortemente influenciado pela música clássica e popular, e é leitor ávido tanto de grandes nomes como Tolstói, Dostoiévski e Franz Kafka quanto de autores populares e alternativos como Raymond Chandler, Kurt Vonnegut e Jack Kerouac; isso tudo se mistura com beleza em seus livros. Kafka à Beira-Mar é um livro fantástico e imperdível, que mostra com clareza como tradição e modernidade se misturam na sociedade japonesa atual.
Comments